Hoje comecei a fazer trabalho de voluntariado numa escola no bairro alto. Sempre quis fazer alguma coisa que fizesse a diferença, e nada melhor que uma escola com crianças carenciadas e "problemáticas". Quando lá entrei percebi que o adjectivo problemático é tão pouco adequado a crianças, que a única coisa que fazem são ser crianças. Auxiliares, com pouca paciência, de tampões nos ouvidos, quase prontas para fazer mergulho. Cansadas. Problemáticas.
As crianças intimidam-me, nunca tive instinto maternal, nem sei explicar porquê. Mas a verdade é que me apaixonei. por cada uma das delas. Interessante foi observa-las, conhece-las e perceber que uma criança de tão pouca idade já tem tanto a dizer à vida. Consegui dividi-las em três grupos, as que ao ver uma cara nova saltam de alegria e automaticamente se apresentam dando-se a conhecer; aquelas que com indiferença discutiam e jogavam à bola e que a custo, muito desconfiadas, se aproximavam; e por fim uma sentada, ao canto, despercebida, sozinha. Tudo isto numa sala. Asfixiante.Onde só existe um tábu: o tema "Família".
Isto tudo passou-se no meio de gritos imensos, misturados com gargalhadas e lamúrias. As "auxiliares" de tampões nos ouvidos. Uma briga de rapazes, territorial quase de certeza, num sitio onde territóro não abunda, discussão por nada. Uma "auxiliar" decide intervir. Grita. Os miúdos gritam. Grita mais. Os miúdos choram. Tampões nos ouvidos.
De tantos abraços que recebi, retribuí, e dos que retribuí ouvi sempre a mesma frase " Cátia! evita os abraços!" (de tampões nos ouvidos) . Valeram a pena. Valem a pena. Valerão sempre a pena.
Hora do almoço. Cantina a uns metros da escola. Miudos que deliram com a luz do dia e com as pedras da calçada, transformando a caminhada num jogo, em que não se pode pisar as "pretas". Jogadores de xadrêz improvisados. Dentro da cantina. (silêncio). Barulho de talheres e de braços no ar como quem diz "quero repetir". Cozinheiras gordas, que ainda gritam mais com os miúdos ou porque o marido não cumpre, ou porque chegou a casa bêbado, ou simplesmente porque sim. A maneira como falam e lidam com eles é cruel, custa a ver, custa ainda mais a ouvir. De tampões nos ouvidos.
De volta a escola. Uma dezena fica de castigo porque falou durante o almoço, não recebem a noticia com surpresa. Estão habituados. Outros retomam a apanhada, outros jogam a bola. Hora de ir embora. Um abraço colectivo de pequenas pessoas que me agarravam para não me ir embora e para voltar amanhã. 10 minutos até conseguir chegar a porta. Uma das crianças, esperou o meu ultimo beijo de despedida e deu-me um abraço, daqueles sentido e tão fortes que abraçam o espirito. Era ela que se sentava no canto, despercebida, sozinha. Chama-se patricia. Vive num convento.
Saí com gratidão no corpo. Com suor na alma. Obrigado.
Amanhã volto lá. É amor. Um amor maternal que nunca soube que existia.
p.s: tenho de me cultivar em matérias de desenhos animados e jogos de consola. Hoje passei vergonhas, é imperdoável.
"sou do tamanho do que vejo, não do tamanho da minha altura"
Um comentário:
Comovente :)
O teu blog está interessantíssimo, a tua vida é interessante, posta desta forma pelo menos é.
Força! :)
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